sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Aritana e a Pena da Harpia: Análise

Comprei em mídia física pela Saraiva, mas, como não está mais disponível, vão aí outros links:

Aritana e a Pena do Uiruuetê


Aritana e a Pena da Harpia é um dos meus jogos favoritos. Definitivamente é um dos melhores já feitos no Brasil. O jogo é bom, mas é bom com força. Tive a sorte de comprá-lo em mídia física, quando ele foi lançado. Essa versão vinha com uma chave de ativação do Steam, que mais tarde recebeu uma atualização chamada Espírito de Fogo, que além de melhorar a otimização, trouxe alguns extras.

Mesmo sendo um jogo independente, ele possui qualidades de um jogo de alto padrão. Em geral eu costumava compará-lo ao Rayman Origins (outro jogo de plataforma muito divertido). A diferença é que para mim o Rayman Origins, com o tempo, foi perdendo um pouco da graça e Aritana e a Pena da Harpia ainda se mantém. No quesito diversão, Aritana me lembra muito os jogos antigos que eu costumava jogar quando criança. Definitivamente é um jogo que eu gostaria de ter jogado quando criança, só para ter nostalgias infantis quanto a ele.

Um grande mérito, a propósito, é pensar que os desenvolvedores conseguiram provar com esse jogo que é possível criar algo com aquela mesma diversão à moda antiga sem precisar recorrer a métodos como pixel-art e música 8 ou 16 bit.

PRÓS
  • Jogabilidade: Além de ser um jogo de plataforma ao estilo clássico, os controles são muito bem responsivos, o que é algo a se louvar quando se diz respeito a um jogo de plataforma com momentos de precisão. A mecânica envolve alternar entre os modos de ataque e velocidade. No modo de ataque você anda devagar e salta pouco. No modo de velocidade você corre, salta alto, mas não ataca. No entanto esses modos trocam automaticamente no modo fácil (o modo difícil só é habilitado depois de zerar o jogo pela primeira vez).
  • Arte: Toda a arte gráfica é muito bonita, sem comentários.
  • Trilha sonora: É com certeza um dos pontos altos de jogo. Uma trilha sonora orquestrada com temas memoráveis.
  • Arte das cutscenes: Tal como a arte gráfica de todo o jogo, a arte das cutscenes são muito bonitas e tem um estilo único.
  • Dificuldade: Quando o jogo foi lançado eu li e ouvi várias reclamações sobre o jogo ser muito difícil. Confesso que nunca achei isso e agora acho menos ainda com a atualização Espírito de Fogo que facilitou muito vários aspectos da jogabilidade e ainda criou um modo de "Novo jogo +" que, aí sim, apresenta o modo mais difícil para os que curtem um pouco mais de desafio. E mesmo esse modo mais difícil é, para mim, um difícil jogável - diferente de certos jogos quase impossíveis de zerar (como o Oniken). A bem da verdade, o nível fácil dá um gosto de desafio para um jogador casual e o nível difícil dá um gosto de desafio para o jogador hardcore.
CONTRAS
  • Confesso que, na minha exclusiva opinião, o Aritana e a Pena da Harpia não tem nenhum contra. Nesses casos eu costumo pesquisar para saber o que outras pessoas acham ruim sobre o jogo, mas, nesse caso, as reclamações que encontrem dizem respeito à frustração gerada pela alta dificuldade. Essa reclamação, no  entanto, já não é mais válida desde a atualização Espírito de Fogo e outras atualizações menores que adaptaram de forma melhor a jogabilidade ao seu público.

HISTÓRIA

A história desse jogo é simples, como um jogo de plataforma normalmente demanda. O cacique está possuído por maus espíritos e o pajé anuncia à tribo que para libertar o chefe desses espíritos é preciso completar um colar de penas com uma pena da harpia que mora no alto de um monte. Aritana, aprendiz do pajé, na ânsia de curar o líder, rouba o cajado do pajé e parte em sua aventura até o alto da montanha. Nesta jornada o jovem Aritana irá enfrentar alguns espíritos da floresta e o monstro Mapinguari, o devorador de homens.

Um ponto positivo que encontro nessa simples história é evitar alguns clichês comuns não apenas no mundo dos games, mas nas narrativas em geral. O primeiro clichê a evitar é o da donzela em perigo. Há alguém em perigo, isso é certo. O cacique. No entanto, além de não se tratar de uma donzela indefesa, também não se trata de um alvo de desejo pessoal. O bem estar do cacique preocupa a toda tribo, lutar pelo cacique é lutar por todo o seu povo.

Assim como o bem do cacique representa o bem da tribo, o vilão representa um perigo a todos. Ele não é alguém que existe para prejudicar exclusivamente o herói, ou que venha fazer mal a qualquer pessoa exclusivamente ligada ao herói ou que queira, por qualquer motivo, impedir que o herói chegue em seu objetivo. É o Mapinguari, um monstro devorador de pessoas. O que ele quer é apenas devorar o herói e pronto.

Outro clichê evitado, no meu ponto de vista, é boa parte da jornada do herói. Não temos aqui um personagem que é forçado a seguir uma aventura que tenta evitar. Ele não cai em um abismo para morrer e renascer, passando por um estado de transformação. Não é orientado por um sábio ou por intervenções sobrenaturais. Ao retornar ele, de fato, trás o elixir da vida, aqui representado pela pena da harpia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Talvez a única falha do jogo é que faltou uma certa participação autóctone. Talvez fosse ainda mais interessante se, tal como Huni Kuin, o jogo fosse sobre uma história comum de alguma tribo e fosse possível ouvir a voz indígena sendo falada. Sem isso é possível sentir que Aritana e a Pena da Harpia é uma versão moderna de O Guarani, de José de Alencar. No entanto, isso é um outro debate.

Como eu falei anteriormente, é um dos meus jogos prediletos. Não tenho do que reclamar de forma geral. É esteticamente agradável, a música é excelente, é divertido, é tecnicamente bem urdido e é brasileiro, tanto a equipe quanto o tema.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Boi Aruá: Análise

Comprei o dvd por meio do site oficial da Liberato Produções:


Boi Aruá é um filme de animação dirigido pelo baiano Chico Liberato, com roteiro do próprio cineasta e de sua esposa Alba Liberato. A história é uma adaptação de diversas fontes como cordéis e romances populares do ciclo do boi, mas principalmente o conto homônimo de Luís Jardim.

O livro Boi Aruá, de Luís Jardim, é um caso de história dentro da história. É sobre uns meninos que ouvem histórias de uma velha negra, sendo uma dessas histórias a que dá origem ao filme. No entanto há muitas liberdades em relação a obra do Luís Jardim, a começar pelo nome do personagem principal que no filme é chamado de Tibúrcio.


No filme, tal como no livro, Tibúrcio é um personagem orgulhoso e autoritário. Tudo deve ser feito à sua maneira e ele procura demonstra com seu punho firme que é o melhor em todas as tarefas. Uma demonstração de sua personalidade está em um quadro da sala de sua casa, que mostra seu retrato sisudo adornado com os dizeres: eu por primeiro, os amigos por derradeiro. Tibúrcio então é atormentado pela aparição de um boi mítico inalcançável, o boi Aruá, que em sua primeira aparição transforma-se logo na constelação Cruzeiro do Sul. Esse conceito de um boi metamorfo, é um adição original do filme (se muito bem me recordo da história de Jardim). A aparição desse barbatão, entretanto, é profetizado por um negro corcunda como prenúncio de tempos ruins. A vontade descabida de Tibúrcio em mostrar-se valente o suficiente para pegar o boi Aruá leva-o a sua ruína. Até ouvir a profecia de uma velha senhora de que aquele que conseguir capturá-lo terá grande fortuna. Tibúrcio precisa vencer o boi para recuperar-se da ruína, mas para isso será necessário antes vencer a si mesmo e o próprio orgulho.

No filme, Chico Liberato mistura um desenho inspirado nas xilogravuras chapadas dos gravuristas dos folhetos de cordel e armoriais, como Jota Borges e Gilvan Samico, com um estilo ligeiramente surrealista que me lembra um pouco Chromophobia de Raoul Servais e outras animações da mesma época. Essa mistura de cores e padrões surrealistas com a estética de inspiração medieval típica das xilos de cordel cria no filme um ambiente estético mítico bastante característico que o aproxima à estética armorial.



Em minha opinião, o filme peca apenas em sua trilha sonora. Apesar de contar com belíssimas músicas originais de Carlos Pita e Elomar Figueira Mello, a trilha criada por Ernst Widmer é, na realidade, uma tentativa não tão bem sucedida do compositor suíço de criar uma sinfonia brasileira-sertaneja. O resultado é uma confusão sonora que ora dá tons demasiadamente sombrios, ora promove uma barulheira na tentativa de criar uma onomatopeia musical para o som de cascos de cavalo. A trilha não evoca de forma alguma as cores opacas e a tradição medieval sugerida pelo desenho. Em minha opinião, Cussy de Almeida teria sido um nome melhor para compor uma peça digna do brilhantismo nordestinamente psicodélico de Boi Aruá.



No mais é uma obra brilhante que vale à pena ser assistida diversas vezes.