sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Aritana e a Pena da Harpia: Análise

Comprei em mídia física pela Saraiva, mas, como não está mais disponível, vão aí outros links:

Aritana e a Pena do Uiruuetê


Aritana e a Pena da Harpia é um dos meus jogos favoritos. Definitivamente é um dos melhores já feitos no Brasil. O jogo é bom, mas é bom com força. Tive a sorte de comprá-lo em mídia física, quando ele foi lançado. Essa versão vinha com uma chave de ativação do Steam, que mais tarde recebeu uma atualização chamada Espírito de Fogo, que além de melhorar a otimização, trouxe alguns extras.

Mesmo sendo um jogo independente, ele possui qualidades de um jogo de alto padrão. Em geral eu costumava compará-lo ao Rayman Origins (outro jogo de plataforma muito divertido). A diferença é que para mim o Rayman Origins, com o tempo, foi perdendo um pouco da graça e Aritana e a Pena da Harpia ainda se mantém. No quesito diversão, Aritana me lembra muito os jogos antigos que eu costumava jogar quando criança. Definitivamente é um jogo que eu gostaria de ter jogado quando criança, só para ter nostalgias infantis quanto a ele.

Um grande mérito, a propósito, é pensar que os desenvolvedores conseguiram provar com esse jogo que é possível criar algo com aquela mesma diversão à moda antiga sem precisar recorrer a métodos como pixel-art e música 8 ou 16 bit.

PRÓS
  • Jogabilidade: Além de ser um jogo de plataforma ao estilo clássico, os controles são muito bem responsivos, o que é algo a se louvar quando se diz respeito a um jogo de plataforma com momentos de precisão. A mecânica envolve alternar entre os modos de ataque e velocidade. No modo de ataque você anda devagar e salta pouco. No modo de velocidade você corre, salta alto, mas não ataca. No entanto esses modos trocam automaticamente no modo fácil (o modo difícil só é habilitado depois de zerar o jogo pela primeira vez).
  • Arte: Toda a arte gráfica é muito bonita, sem comentários.
  • Trilha sonora: É com certeza um dos pontos altos de jogo. Uma trilha sonora orquestrada com temas memoráveis.
  • Arte das cutscenes: Tal como a arte gráfica de todo o jogo, a arte das cutscenes são muito bonitas e tem um estilo único.
  • Dificuldade: Quando o jogo foi lançado eu li e ouvi várias reclamações sobre o jogo ser muito difícil. Confesso que nunca achei isso e agora acho menos ainda com a atualização Espírito de Fogo que facilitou muito vários aspectos da jogabilidade e ainda criou um modo de "Novo jogo +" que, aí sim, apresenta o modo mais difícil para os que curtem um pouco mais de desafio. E mesmo esse modo mais difícil é, para mim, um difícil jogável - diferente de certos jogos quase impossíveis de zerar (como o Oniken). A bem da verdade, o nível fácil dá um gosto de desafio para um jogador casual e o nível difícil dá um gosto de desafio para o jogador hardcore.
CONTRAS
  • Confesso que, na minha exclusiva opinião, o Aritana e a Pena da Harpia não tem nenhum contra. Nesses casos eu costumo pesquisar para saber o que outras pessoas acham ruim sobre o jogo, mas, nesse caso, as reclamações que encontrem dizem respeito à frustração gerada pela alta dificuldade. Essa reclamação, no  entanto, já não é mais válida desde a atualização Espírito de Fogo e outras atualizações menores que adaptaram de forma melhor a jogabilidade ao seu público.

HISTÓRIA

A história desse jogo é simples, como um jogo de plataforma normalmente demanda. O cacique está possuído por maus espíritos e o pajé anuncia à tribo que para libertar o chefe desses espíritos é preciso completar um colar de penas com uma pena da harpia que mora no alto de um monte. Aritana, aprendiz do pajé, na ânsia de curar o líder, rouba o cajado do pajé e parte em sua aventura até o alto da montanha. Nesta jornada o jovem Aritana irá enfrentar alguns espíritos da floresta e o monstro Mapinguari, o devorador de homens.

Um ponto positivo que encontro nessa simples história é evitar alguns clichês comuns não apenas no mundo dos games, mas nas narrativas em geral. O primeiro clichê a evitar é o da donzela em perigo. Há alguém em perigo, isso é certo. O cacique. No entanto, além de não se tratar de uma donzela indefesa, também não se trata de um alvo de desejo pessoal. O bem estar do cacique preocupa a toda tribo, lutar pelo cacique é lutar por todo o seu povo.

Assim como o bem do cacique representa o bem da tribo, o vilão representa um perigo a todos. Ele não é alguém que existe para prejudicar exclusivamente o herói, ou que venha fazer mal a qualquer pessoa exclusivamente ligada ao herói ou que queira, por qualquer motivo, impedir que o herói chegue em seu objetivo. É o Mapinguari, um monstro devorador de pessoas. O que ele quer é apenas devorar o herói e pronto.

Outro clichê evitado, no meu ponto de vista, é boa parte da jornada do herói. Não temos aqui um personagem que é forçado a seguir uma aventura que tenta evitar. Ele não cai em um abismo para morrer e renascer, passando por um estado de transformação. Não é orientado por um sábio ou por intervenções sobrenaturais. Ao retornar ele, de fato, trás o elixir da vida, aqui representado pela pena da harpia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Talvez a única falha do jogo é que faltou uma certa participação autóctone. Talvez fosse ainda mais interessante se, tal como Huni Kuin, o jogo fosse sobre uma história comum de alguma tribo e fosse possível ouvir a voz indígena sendo falada. Sem isso é possível sentir que Aritana e a Pena da Harpia é uma versão moderna de O Guarani, de José de Alencar. No entanto, isso é um outro debate.

Como eu falei anteriormente, é um dos meus jogos prediletos. Não tenho do que reclamar de forma geral. É esteticamente agradável, a música é excelente, é divertido, é tecnicamente bem urdido e é brasileiro, tanto a equipe quanto o tema.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Boi Aruá: Análise

Comprei o dvd por meio do site oficial da Liberato Produções:


Boi Aruá é um filme de animação dirigido pelo baiano Chico Liberato, com roteiro do próprio cineasta e de sua esposa Alba Liberato. A história é uma adaptação de diversas fontes como cordéis e romances populares do ciclo do boi, mas principalmente o conto homônimo de Luís Jardim.

O livro Boi Aruá, de Luís Jardim, é um caso de história dentro da história. É sobre uns meninos que ouvem histórias de uma velha negra, sendo uma dessas histórias a que dá origem ao filme. No entanto há muitas liberdades em relação a obra do Luís Jardim, a começar pelo nome do personagem principal que no filme é chamado de Tibúrcio.


No filme, tal como no livro, Tibúrcio é um personagem orgulhoso e autoritário. Tudo deve ser feito à sua maneira e ele procura demonstra com seu punho firme que é o melhor em todas as tarefas. Uma demonstração de sua personalidade está em um quadro da sala de sua casa, que mostra seu retrato sisudo adornado com os dizeres: eu por primeiro, os amigos por derradeiro. Tibúrcio então é atormentado pela aparição de um boi mítico inalcançável, o boi Aruá, que em sua primeira aparição transforma-se logo na constelação Cruzeiro do Sul. Esse conceito de um boi metamorfo, é um adição original do filme (se muito bem me recordo da história de Jardim). A aparição desse barbatão, entretanto, é profetizado por um negro corcunda como prenúncio de tempos ruins. A vontade descabida de Tibúrcio em mostrar-se valente o suficiente para pegar o boi Aruá leva-o a sua ruína. Até ouvir a profecia de uma velha senhora de que aquele que conseguir capturá-lo terá grande fortuna. Tibúrcio precisa vencer o boi para recuperar-se da ruína, mas para isso será necessário antes vencer a si mesmo e o próprio orgulho.

No filme, Chico Liberato mistura um desenho inspirado nas xilogravuras chapadas dos gravuristas dos folhetos de cordel e armoriais, como Jota Borges e Gilvan Samico, com um estilo ligeiramente surrealista que me lembra um pouco Chromophobia de Raoul Servais e outras animações da mesma época. Essa mistura de cores e padrões surrealistas com a estética de inspiração medieval típica das xilos de cordel cria no filme um ambiente estético mítico bastante característico que o aproxima à estética armorial.



Em minha opinião, o filme peca apenas em sua trilha sonora. Apesar de contar com belíssimas músicas originais de Carlos Pita e Elomar Figueira Mello, a trilha criada por Ernst Widmer é, na realidade, uma tentativa não tão bem sucedida do compositor suíço de criar uma sinfonia brasileira-sertaneja. O resultado é uma confusão sonora que ora dá tons demasiadamente sombrios, ora promove uma barulheira na tentativa de criar uma onomatopeia musical para o som de cascos de cavalo. A trilha não evoca de forma alguma as cores opacas e a tradição medieval sugerida pelo desenho. Em minha opinião, Cussy de Almeida teria sido um nome melhor para compor uma peça digna do brilhantismo nordestinamente psicodélico de Boi Aruá.



No mais é uma obra brilhante que vale à pena ser assistida diversas vezes.

Huni Kuin: Yube Baitana: Análise

De graça no itch.io: https://huni-kuin.itch.io/hk

Uma ode à oralidade

É difícil falar de um jogo que é tão bom, mas que poderia ter sido ainda melhor se tivesse tido o privilégio de um orçamento grande. Basicamente tudo o que se espera de um jogo de plataforma, Huni Kuin faz muito bem. Ao mesmo tempo, todos os pontos positivos poderiam ser melhores se o orçamento para a criação desse game fosse maior.

PROS

  • Arte: Acredito ser um dos pontos altos de game. Praticamente toda a arte visual dos níveis e dos personagens é muito bonita.
  • Trilha-sonora: Ainda que a trilha sonora não tenha sido original para o jogo (ao que parece são canções parte do disco Amazon Essemble & Huni Kuin), deu para perceber que foram muito bem escolhidas, pois elas contribuem muito bem para a ambientação.
  • História: O jogo é composto por diversas histórias adaptadas de contos que fazem parte da cultura Huni Kuin. Em geral são bem interessantes e de alto nível cultural.
  • Narrativa: Cada história do jogo é contada em língua autóctone seguindo - de forma mais fiel possível - as histórias da tribo.
  • Nível de dificuldade: Acredito que o nível de dificuldade está em equilíbrio com o tamanho das fases. De forma geral é um jogo fácil, mais para o nível do casual. O caso é que não há checkpoints no jogo e se ele fosse mais difícil talvez fosse necessário fases maiores e com checkpoints.
Para progredir é preciso conversar com o pajé

CONTRAS

  • Cutscenes: Parece sacanagem de minha parte falar mal das artes das cutscenes, afinal foram claramente feitas por um artista amador da própria tribo representada pelo jogo. Se por um lado isso contribui para a ambientação educativa do jogo, por outro, a César o que é de César, as artes não tem uma qualidade melhor do que teria se eu mesmo (no auge da minha ignorância artística) tivesse feito.
  • Bugs: Não são muitos, mas existem. Alguns são simples defeitos na animação, outros podem atrapalhar um pouco.

HISTÓRIA

É possível jogar na língua original Huin Kuin.

Não farei irei me deter nesse quesito, pois o jogo é composto por diversas histórias e, se eu quisesse ser justo, teria de analisar uma por uma. Em um plano geral você controla um Huni Kuin que irá ouvir as histórias do pajé para que se torne verdadeiramente parte do povo. Se quiser, é possível andar pela aldeia e conversar com outros personagens que irão contar um pouco sobre a tribo e sobre a cultura.

Para avançar é preciso conversar com o pajé e ouvir as histórias, que são as fases do jogo em si. Ao ouvir todas você se torna parte do povo e o jogo termina.

De forma geral as histórias não tem uma lição de moral muito forte. Elas se detém em contar de forma legendária as origens, a forma como o povo chegou ao conhecimento das ervas medicinais e de miração, e como a cultura foi formada desde os tempos imemoriais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Quebra-cabeças

É um pequeno jogo de alta qualidade. A proposta é a mesma de Never Alone (Kisima Ingitchuna), levar uma cultura autóctone para o conhecimento mundial, mas com um orçamento muito menor. O jogo é bonito e bem urdido. Definitivamente vale a pena ser jogado.

Huni Kuin: Yube Baitana review

For free on itch.io: https://huni-kuin.itch.io/hk


An Ode to Oral Culture
It is kind of hard to review a game so good, but that could be even better if it had the privilege of a big budget. It has everything we expect from a platform, and it is well done. At the same time, all the positive points could be better if it had a bigger budget.

PROS
  • Art style: I believe it is the higher point in this game. Basically all the visual art we found in levels and in the characters are very beautiful.
  • Soundtrack: Even though it isn't an original score, since the songs were takan from the album Amazon Essemble & Huni Kuin, the song were well chosen. They really build the mood we need for each stage.
  • Story: Huni Kuin tells several different stories. In general, they are very interesting and has a high cultural value.
  • Storytelling: Each story is told from indigenous point of view and in native language.
  • Level of difficulty: I believe many people will think it is easy. Actually it is, however I think the difficulty is well balanced when we take account the levels length and the lack of checkpoints.
You can play the stories by talking to the wiseman

CONS
  • Cutscenes: It might be very picky of me, but the cutscenes's artworks isn't very beautiful. I know they choose to use an artwork make by amateur's indigenous instead of by a profissional painter. I know this adds to the educational mood this game has, but I don't think it would make much difference if I (a completely uneducated person in art) had made the artwork myself. I think it would be nicer if they had used a profissional.
  • Bugs: There aren't that many, but they are there. Sometimes they are a little animation bug, sometimes they might hinder the gameplay.
STORY
It is possible to play in Huin Kuin's native language if you want to.

I will not say too much about the story. The game is made by many stories and, if I wanted be fair, I'd have to make an analysis of eachone.

Overall you control a native born Huni Kuin who have to listen to the wiseman's stories so you will became a real Huni Kuin. It is possible, if you want to, to walk around the village and talk to people who will inform you some aspects from the tribe's culture. 

To advance you must talk to the wiseman and listen to the stories he will tell. These stories are the game levels. When you listen to every story you become one with your people and the game ends.

There aren't much of mora of the story. The stories are about origin legends. They explain how the people acquired the knowledge about the forest and how their culture was born since the immemorial ages.

FINAL THOUGHTS

Puzzles


Even though it is small and simples, this game has high quality. I believe the developers wanted to do and Brazilian Never Alone (Kisima Ingitchuna) and take to the the autochthonous culture of the Huni Kuin to world's knowledge. However they had less budget to do so. The game is beautiful and well made.

Play it definitely worth it.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Trilogia Emmanuelle: Análise

Final do mês passado assisti a trilogia de Emmanuelle com Sylvia Kristel. É a primeira vez que assisto esses filmes em sequência e, dessa vez, ficou ainda mais marcada a impressão que eu já possuía sobre eles:  para mim não são meros filmes eróticos ou pornôs soft-core, são filmes filosóficos elucubrando sobre o amor livre.

Comprei Emmanuelle e Emanuelle: a antivírgem nas lojas Americanas.
Adeus Emmanuelle eu comprei em: http://www.eovideolevou.com.br/

EMMANUELLE

No primeiro temos Emmanuelle, a virgem – não que ela seja realmente virgem no início desse filme, mas carrega uma certa inexperiência sobre esse novo modo de vida junto ao seu marido Jean (Daniel Sarky), que permite amar, ou melhor dizendo, transar com quem quiser, sendo livre e espontânea sua escolha.

Quase todos envolta de Emmanuelle, no entanto, parecem pessoas fúteis: esposas de maridos ricos que não tem nada para fazer e usam esse modo de vida como forma de aliviar o tédio. Apenas Jean e Marie-Ange (Christine Boisson) parecem carregar de fato um sentimento de espírito livre, com Jean entendendo que ele não possuí sua esposa, não é seu dono, portanto ela tem a liberdade de transar como quem ela desejar. Marie-Ange parece ser uma libertária nata e carrega os entendimentos sobre o amor livre de uma forma praticamente natural.

Até que a personagem principal entrega não só seu corpo, mas seu coração a uma arqueóloga chamada Bee (Marika Green), a única das mulheres europeias em Bangkok que não parece ser fútil, visto que também é a única que possui uma vida ocupada. Dizer que seu nome demonstra sua personalidade trabalhadora não é uma digressão sem sentido, a relação é deixada explícita no próprio filme.

O amor de Emmanuelle por Bee é, talvez, um dos pontos mais marcantes do filme. Em minha interpretação mostra como heroína ainda não consegue, de certa forma, separar o sexo do amor. Ela tem a capacidade do poli-amor, visto que não deixa de amar Jean para amar Bee, mas sua necessidade sexual por ela está diretamente ligada ao romantismo, ao amor das pessoas comuns. Isso fica evidente quando Emmanuelle revela seu amor, mas Bee não corresponde. Ainda que seja colocada à margem do grupo de adeptos ao amor livre, ela não relaciona sua atração sexual por Emmanuelle a um amor passional. Bee entende que seu sentimento é a atração pela carne.

Outro motivo que faz esse evento ser tão importante é a reação de Jean que, muito embora seja adepto do amor livre, sente-se traído por Emmanuelle. Jean carrega todas as mágoas de um homem traído. Sentindo-se solitário vai a um bordel e se mete em uma briga contra um bêbado, depois vai chorar suas mágoas com Ariane (Jeanne Colletin) que, primeiramente, diz sentir repulsa desse comportamento mesquinho de Jean e, em seguida, diz que pelo contrário, aquilo é motivo de riso para as pessoas de seu pequeno grupo.

Esse evento demonstra que tanto Emmanuelle quanto seu marido precisam evoluir para alcançar a plenitude nesse estilo de vida.

Após isso Jean precisa viajar a negócios e Emmanuelle é deixada aos cuidados de Mario, um homem mais velho que faz o papel do mentor na jornada da nossa heroína. Mario guia Emmanuelle numa espécie de ritual pagão composto por sexo, ópio e estupro. Após superar esse ritual, a heroína volta ao lar, pronta para se entregar ao Mario que ainda a rejeita, dizendo não querer transar com ela, mas com a nova Emmanuelle na qual ela irá se transformar. A protagonista é deixada a só em seu quarto e ela começa a se produzir com maquiagens e roupas finas, mostrando agora, de frente ao espelho, um rosto mais maduro.

EMMANUELLE: A ANTIVÍRGEM

Não sei se há muito o que interpretar sobre o segundo filme. Na minha opinião sua história é banal em relação aos outros, mas necessária para que se chegue à conclusão. Duas coisas me intrigam nesse filme:

1º porque trocaram o ator que interpreta Jean, que deixou de ser Daniel Sarky e passa a ser Umberto Orsini

2º porque mudaram a profissão de Jean de diplomata para arquiteto (apenas sugerido nesse filme, mas deixado explícito no próximo).

Essas incoerências me incomodam, porque ou demonstram uma inaptidão em manter a história coerente ou demonstram um desrespeito ao filme anterior, que – sendo a obra prima que é – não merece ser ignorado.

Passada a evolução pessoal em Bangkok na qual ela busca internalizar o conceito de uma vida realmente livre, Emmanuelle acompanha seu marido para Hong Kong. Emmanuelle agora é a antivírgem. Ela e seu marido estão completamente livres, deixando para trás os ciúmes e preconceitos de outrora para viver na plenitude de seu amor, sem ciúmes e narrando um para o outro suas aventuras sexuais na intenção de manter a sinceridade no casamento.

Em dado momento Emmanuelle parece sentir ciúme por Jean ter transado com outra, no entanto fica incerto se foi pela transa, ou se foi pelo lugar em si, pois a heroína reclama com seu marido que com essa outra mulher ele transou no mar, mas com ela mesma o máximo que tiveram foi transar em uma banheira. Emmanuelle parece ter sentido como se as outras comessem do melhor fruto, enquanto ela – na condição de esposa – ficou com as sobras. Não é algo muito importante para esse filme, visto que esse tema não é desenvolvido, mas é um elemento importante para o próximo filme.

Fora isso não acho que há muito mais sobre o que falar. Não é um filme muito substancial.

ADEUS EMMANUELLE

Aqui fecha-se a obra. Pelo menos para mim que desconsidero os filmes seguintes que não são estrelados pela Sylvia Kristel. Se o segundo filme tem o subtítulo de a anti-virgem, este deveria ser chamado de a anti-Emmanuelle.

O tema principal aqui são as hipocrisias e o tema do amor livre é colocado em cheque, mas não necessariamente em um cheque-mate. Jean (ainda Umberto Orsini) vai se mostrando mais hipócrita, principalmente em relação a um casal amigo em que a esposa Clara (Sylvie Fennec), para agradar o marido, tenta, mas não consegue, seguir o estilo de vida livre de Emmanuelle. Mais tarde o casal surge novamente reatado e Jean começa a mostrar uma faceta machista, culpando Clara pelo insucesso do casamento e julgando que Clara provavelmente usou os filhos para trazer o marido de volta. Emmanuelle, por outro lado, mostra-se irritada com o machismo de seu esposo e preocupada com o destino do casamento de sua amiga.

Porém,  o relacionamento aberto da personagem título e Jean fica abalado com a chegada de Gregory (Jean-Pierre Bouvier), um diretor de cinema que vai a Seicheles procurar um bom cenário para rodar seu filme. Gregory se coloca contrário à ideologia do erotismo. Emmanuelle se sente imediatamente atraída por ele, e o procura intensamente até conseguir transar com ele, contudo, após a transa, Gregory a trata como uma prostituta.

Gregory diz que só consegue amar uma mulher de cada vez. No entanto, seu passado o condena, como narrado por outra personagem. Ele tentara um relacionamento aberto com sua ex-esposa, mas a mulher tentou suicídio quando ele a contou sobre suas amantes, tempo depois, após melhorar, sua ex-esposa o abandonou para se casar com o médico que salvou sua vida.

Os dois fazem as pazes depois, o que provoca ciúmes em Jean, que começa a usar da mentira e da violência física para manter Emmanuelle ao seu lado e quase consegue, se Chloe, amiga de da heroína com sua própria trágica e hipócrita história, não contasse a Emmanuelle sobre as mentiras de Jean, induzindo-a a ir embora para a França em busca de Gregory.

Ao partir de Seicheles, Clara comenta com Emmanuelle que Jean só a deixava livre para guardá-la, para tê-la sempre por perto, que é igual a todos os homens, só que mais esperto. Ainda que não negando a possibilidade, dizendo que os foram felizes vivendo da forma que viveram foi bom e procuraram ser realmente sinceros. Quanto ao seu futuro com Gregory, ela sabe que tanto pode dar certo, quanto pode dar errado, afinal ela mal o conhece. A única forma de saber como será o seu futuro é não recuar e ir atrás dele. Jean termina com Chloe como sua companheira, mas com a certeza que a monotonia da vida comum irá trazer sua esposa de volta.

O filme deixa um gosto de que mesmo a mais extrema liberdade pode se tornar uma prisão e pode se tornar cansativa. As palavras de Clara sobre Jean são ecoantes. Talvez Jean fosse sim um manipulador, dando liberdade sexual a sua esposa apenas para suprir as próprias fantasias sexuais e mantê-la por perto. Só que Gregory não é menos hipócrita, ao dizer que só consegue amar apenas uma mulher de cada vez, visto que, quando ainda estava com sua ex-esposa, teve amantes.

Tudo o que resta, no fim das contas, de sincero, é Emmanuelle em sua intensa busca pela liberdade com a certeza de que a única forma de consegui-la é sempre correr atrás do novo, sem se deixar prender pelas amarras do medo. Emmanuelle se despede, de sua amiga, do público e de sua vida antiga, mas com a certeza de que sempre há tempo de recomeçar.

VEREDITO

Como eu sugeri antes, para mim esses filmes formam uma trilogia filosófica sobre liberdade do amor.

A princípio temos uma personagem ingênua e inexperiente, tanto sobre o erotismo como sobre o amor e a própria liberdade. Emmanuelle recebe um tratamento de choque em que aprende a redescobrir o prazer que reside no próprio corpo. Sexo não é apenas sexo, nem é sinônimo de amor, mas é um culto, uma arte e por essa causa não deve ser suprimido, reprimido, escondido nem temido, mas sim apreciado livremente.

A seguir a vemos gozar dessa sua nova liberdade, dedicando seu amor e seu sexo à quem ela desejar. Perpetuando e ensinando essa sua filosofia de vida às novas gerações.

Por fim, Emmanuelle já livre e gozando da liberdade se descobre prisioneira da própria filosofia. E quando uma linha de pensamento se torna velha e desgastada é preciso procurar outra coisa, se despir das hipocrisias e procurar sempre aquilo que lhe é novidade. E o novo é sempre o desconhecido. Como afirma a personagem de Sylvia Kristel no fim do 3º filme ao ser perguntada por Clara sobre Gregory: "Não sei, mal o conheço, talvez seja um tirano. Eu verei". Gregory representa esse futuro novo e nebuloso, talvez essa novidade não dê certo, mas também pode ser que ali se esconda a continuidade da alegria e só existe uma forma de descobrir.

Afinal, como dizia o poeta, aquele rapaz latino americano sem dinheiro no banco e vindo do interior: "O que algum tempo era jovem, novo, hoje é antigo. E precisamos todos rejuvenescer".