Comprei na Splitplay, mas como essa webstore não existe mais, deixo outros links:
Trilha sonora original: https://anthonyseptim.bandcamp.com/album/music-from-dreaming-sarah
Seria a vida um sonho?
Dreaming Sarah é, antes de tudo, um sonho tornado realidade. Fruto de André Chagas Silva, com música de Anthony Septim e arte adicional de Amber Coal.Não sei se há muito o que dizer, sem que se possa estragar a história, mas de forma bem genérica, é um game surrealista inspirado em Yumi Niki. Tal como as pinturas de Salvador Dali e outros dos seus contemporâneos, tudo em Dreaming Sarah evoca um sonho e, se não fosse pela descrição do jogo em sua storepage, as maiores certezas sobre a história seriam duvidosas.
A única certeza é que a personagem principal está em coma por causa de um acidente e nosso objetivo é fazê-la acordar desvendando quebra-cabeças ao explorar este sonho. Apesar de não ser, de forma alguma, um jogo de terror tem diversos momentos sombrios. Os diálogos risíveis, que beiram à infantilidade, acentuam o caráter surreal da história.
PRÓS
- História. Não vou entrar em muitos detalhes neste momento, mas justamente por se tratar de uma história surreal, ela está aberta há infinitas interpretações.
- Finais diferentes. Existem dois finais. Um não é muito diferente do outro, visto que muda apenas um detalhe, mas é o suficiente para mudar sua percepção da história.
- Exploração. De forma geral esse game segue bem o estilo que chamam de metroidvania. Muitas vezes, em momentos posteriores, é preciso passar por lugares já explorados pois haverá novos elementos. Isso adiciona muito à exploração.
- Quebra-cabeças. Os quebra-cabeças te fazem pensar, mas não como certos sem noção como certos adventures (leia-se Machinarium).
- Clima. A ambientação é muito boa. Ora tem um clima quase infantil, ora adquire tons cada vez mais sombrios.
- Trilha sonora. A trilha sonora é um espetáculo à parte. Ela contribui perfeitamente para os tons sombrios e lúgubres que o game vai adquirindo ao longo da jogatina, sempre mantendo o caráter de surrealidade. A trilha, felizmente, vem junto com o game, mas se quiser contribuir é possível comprar através do bandcamp do compositor. Também há outro álbum com músicas para piano solo inspiradas inspiradas no jogo.
CONTRAS
- Pixel art. Para muita gente isso pode não ser um ponto negativo. No meu caso, normalmente acho que a arte em pixels desvaloriza a arte geral do jogo e poderia ser substituída por desenho tradicional. E acredito que é o caso de Dreaming Sarah. Eu sempre fico imaginando como esse game seria visualmente se tivesse sido desenhado à moda de Rayman Origins, Jotun, The Bridge. De qualquer forma eu não condeno de forma alguma a escolha do artista, pois como não sou desenvolvedor, não conheço as dificuldades que existe em se fazer um game com arte desenhada nem as facilidades da arte em pixels.
- Controle. Há um pequeno bug no controle, mas nada que realmente afete a experiência. Apesar de ter suporte total com o controle, as mensagens tutoriais continuam mostrando os comandos para teclados ao invés de mostrar os do controle.
ANÁLISE DA HISTÓRIA
Dizem que os sonhos é nossa mente reorganizando nossas lembranças, nossos traumas, as informações que recebemos no dia, em suma... reorganizando a si mesma.Se for assim, há muito se passando pela cabeça de Sarah. Qual o motivo real do seu coma? Sim, eu sei, ela sofreu um acidente, mas que tipo de acidente? Foi mesmo um acidente?
Em dado momento Sarah vê um doppelganger caído ao chão ao lado de um carro cujo para-brisa está quebrado. Da primeira vez que joguei imaginei que ela estivesse dirigindo, bateu o carro e voou pela janela para a rua. A incongruência de sua posição em relação ao carro eu creditava aos limites de um jogo em 2D.
Jogando outra vez, no entanto, mil outras possibilidades passaram por minha cabeça. Reparei, por exemplo, que o para-brisas parece estar trincado e não completamente quebrado, como estaria se uma pessoa fosse arremessada para fora do carro.
Existem coisas sombrias na mente de Sarah. Um gato lobotomizado em uma casa fantasma, um suco de laranja podre ou envenenado, uma sereia morta, uma bala de revolver, uma pianista depressiva, uma criança que ao entrar em uma boate provoca uma chacina. Seriam esses sonhos frutos de traumas antigos? O que eles realmente dizem sobre a psiqué de Sarah?
Vi interpretações dizendo que o estrago no para-brisa teria sido causado por uma bala de revolver ou pela cabeça de Sarah batendo contra ele.
Particularmente excluo a bala de revolver como possibilidade, visto que durante o jogo essa bala evoca um suicídio, não um acidente. Quanto a cabeça batendo no para-brisa, essa se aproxima à minha primeira interpretação, mas por que Sarah está numa posição tão estranha em relação ao carro? Hoje não posso mais julgar que é apenas uma limitação do gênero. Preciso considerar como um elemento da história.
Teria então Sarah saído do carro e se rastejado até desmaiar por completo?
Ou talvez ela estivesse andando a pé quando foi atingida por aquele fusca vermelho. Seu corpo é jogado contra o vidro, sua cabeça atinge a lataria e então, quando o carro pára, a própria inércia a arremessa para outro lugar.
Ou talvez a pianista suicida seja um avatar da própria Sarah. Talvez Sarah, deprimida e afligida com esses pensamentos de morte e assassinato quisesse a morte.
Um suicídio é novamente evocado quando, ao se aproximar de uma ponte, uma senhora pergunta se é isso mesmo que ela quer, pois é um caminho sem volta. A própria Sarah, afligida, pode ter se jogado sobre um carro ou se jogado de um viaduto, caído em um carro e sido arremessada para longe.
No fim das contas, nós pulamos. Pulamos da ponte, mas dessa, ao invés de Sarah pular da vida para a morte, tendo ou não flores ao lado de sua cama, ela pula do coma para a vida, acordando sã em um hospital.
Ou pode não ser nada disso, quando outras idéias surgirem em uma jogatina diferente.
VEREDITO
Em Dreaming Sarah tudo é incerto. A única certeza é que é um jogo inspirador.Tal como Another World, Prince of Persia e outras obras primas, Dreaming Sarah é um desses frutos da paixão de uma só pessoa. É um desses que me fazem pensar: será que um dia eu consigo? E, se eu já não tivesse diversos projetos solitários para ocupar minha mente, certamente eu me inspiraria nessas obras primas para criar o meu próprio game.
Como eu disse anteriormente, o clima e diálogos começam quase infantis e vão adquirindo tons sombrios à medida que jogamos. A combinação desses diálogos de livros de alfabetização com o caráter sombrio e por vezes fúnebre das imagens e da trilha sonora, contribui com a surrealidade da história e da ambientação.
É um game para se jogar devagar, mais de uma vez e para pensar sobre ele.



















